Posfácio: Orientalismo em “Sob as Pirâmides”

A HISTÓRIA POR TRÁS DA HISTÓRIA

H. P. Lovecraft é sinônimo daquele tipo particular de Literatura Fantástica que se convencionou chamar de Horror Cósmico, por motivos bastante óbvios até para quem não é tão íntimo de seu trabalho. Nada mais natural, já que sua criatividade fértil legou uma mitologia das mais bizarramente atrativas para as gerações seguintes de leitores e escritores, que trabalhariam esses conceitos com resultados variados. Explicar sua popularidade em pleno século XXI, um reconhecimento tardio que nenhum contemporâneo seu poderia imaginar, não é o foco aqui. O que nos interessa agora é um momento menos comentado na carreira do Cavalheiro de Providence.


Dois anos antes de O Chamado de Cthulhu, o ano de 1924 viu surgir uma parceria literária das mais curiosas. Harry Houdini encantava o mundo com seus números de escapismo elaborados havia mais de duas décadas naquele momento, criando uma persona artística tão peculiar quanto popular. A manutenção dessa imagem pública era deveras importante, inflamando o imaginário coletivo sobre as capacidades daquele homem extraordinário. Logo, nada melhor do que uma espécie de estratégia “transmídia” para isso, ainda que ninguém ainda sequer sonhasse com esse termo.


Naquele início de século, o fenômeno editorial das pulp magazinesera o veículo ideal para essas intenções. A lendária publicação Weird Tales trouxe relatos das proezas de Houdini – via ghostwriters, óbvio, e com muita licença poética – em três ocasiões. Na terceira vez, o encargo de trazer substância e elementos enigmáticos e interessantes para o público ficou com Lovecraft. Assim, em maio daquele ano, Imprisoned with the Pharaohsintegrou a publicação, alterando o título original imaginado pelo seu verdadeiro autor, Under The Pyramids. Um trabalho realizado a toque de caixa, é verdade, já que o adiantamento acertado com o editor J. C. Henneberger foi o maior oferecido a ele.


Narrada em primeira pessoa, a alegada aventura real vivida pelo escapista, vítima de seu traiçoeiro guia enquanto visitava as pirâmides do Egito, foi valorizada e incrementada pela visão do futuro grande nome do Horror Cósmico, anônimo naquele momento. Em 1939, a reimpressão trouxe o crédito póstumo e mais do que devido pela liberdade artística na adição de tons e elementos abertamente macabros e aterrorizantes ao relato de Harry Houdini. O artista, inclusive, utilizou os serviços do escritor posteriormente por conta de sua satisfação com esse desempenho.


Under The Pyramids, como qualquer outro produto da Era Pulp, ganha vários pontos a mais na contextualização. Afinal de contas, o Egito, carregado de mistérios antigos e herméticos, era um ambiente que capturava a imaginação do público na época em que o trabalho foi publicado. Havia, é claro, mais superstição no ar naquele tempo, mas também muito menos informações acessíveis sobre aquela parte do mundo. Uma combinação bem oportuna para autores do Fantástico.

O ENREDO

SOB AS PIRÂMIDES é um conto escrito por H.P. Lovecraft em colaboração com o famoso ilusionista e escapista, Harry Houdini, em fevereiro de 1924, e publicado pela Weird Tales.



Narrado a partir da perspectiva do próprio Harry Houdini, trata-se de um relato ficcional (ou não) do encontro que o ilusionista afirma ter experimentado durante suas férias no Egito em janeiro de 1910.
Misturando egiptologia, ocultismo, seres cósmicos, divindades, ritos cerimoniais e as incríveis habilidades escapistas, a obra explora as origens e os segredos das pirâmides e uma sombria lenda por detrás do ser que influenciou a construção da Esfinge de Gizé.

Posfácio: Orientalismo em “Sob as Pirâmides”

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