Capítulo 1.
Entrar no jogo digital – O videogame enquanto imersão, intimidade e afeto: os desdobramentos subjetivos de uma vivência simbólica
“Tudo que digo que sou é fruto do exercício da minha potência, mas não sou tudo que digo que sou, porque sou em essência uma potência.”
Baruch de Spinoza
Pé ante pé nas águas claras e rasas, caminha lentamente uma figura, e seu manto cobre aquilo que lhe faz diferente de nós, não por vergonha ou desdouro, mas por a ela pertencer o mundo todo, e a todos nós. A túnica e capa flutuam levemente à brisa e se deliciam no ritmo dos passos, como um baile sussurrado, que envolve o corpo que pensa, que deseja, e que volta a se encontrar no trote demorado e quase malcriado. Chegar ao destino é uma pertinácia que deve se abrir para a inconstância, a figura pensa.
Ali, à frente, as águas se tornam gradualmente escuras, por vezes pesadas, carregadas do que carregaram por séculos. E a figura, carregada ela mesma dos afetos passados e presentes, compreende que nem toda água profunda é desamorosa. Deixar-se envolver por ela é, sincronicamente, morrer e viver. Assim como caminhar lentamente para a profundez é amar e instigar. E é desejo, sempre desejo.
A figura vê que no âmago das águas profundas há o anseio por tornar-se líquido como água, e o desapego de suas liquidezes anteriores. Ali, ela será algo novo, inesperado, imprevisível, acoplada de entrelaçamentos inesperados. Ela ainda segue lentamente, mesmo nos tons de azuis mais anegrejados, mesmo quando sua boca desaparece da superfície, enlaçando-se com aquela água, que representa, por fim, todos os elementos existentes na matéria; e ela deixa de existir como passado para se ressoar em sentidos infinitos.